segunda-feira, 19 de março de 2012

Conto: Para ti, Papá!


Desde que chegara da escola, ainda não tinha manifestado algum tipo de expressão que lhe era habitual. Dava a impressão de estar absorto, entre aquelas mãos delicadas de menino, em que os dedos mergulhavam nos cabelos escuros, num qualquer outro universo que não fosse o seu quarto com as paredes forradas em tom azul céu.

Na cozinha, a mãe preparava o jantar com o avental desajeitado e um sorriso nos lábios ao recordar o peculiar episódio que ocorrera naquela manhã de Inverno, em que um desconhecido lhe havia oferecido um lugar sentado no comboio e lhe murmurara que ela era um anjo caído do céu.

Assim que o jantar ficou pronto, dirigiu-se ao quarto do seu menino e estranhou o silêncio que se fazia sentir à medida que ia atravessando o corredor. Lentamente, a mão rodou a maçaneta da porta e o olhar quedou-se sobre a nuvem de apatia que envolvia o pequeno João. Aproximou-se do filho e sentou-se no chão, mesmo ao seu lado. Afagou-lhe ternamente os cabelos e, num tom de voz maternal, beijou-lhe a face.

- O que te preocupa João?

- Oh! Mamã o que faz o Papá?

Aquela pergunta, feita de forma tão pura e inocente, assim de surpresa, trespassou-lhe por completo o ventre e o peito, e aos olhos as lágrimas prontamente deslizaram como as águas cristalinas ao leito do rio. Após um breve momento que pareceu prolongar-se pela eternidade, inspirou bem profundo e, como se os ponteiros do tempo tivessem regressado ao passado, expirou um longo suspiro, em carne viva, apertando com toda a força que possuía o franzino corpo do seu filho contra o seu.



Raquel sabia que aquele momento aconteceria, e também sabia que chegaria de uma forma inesperada, como um trovão que irrompe o silêncio da noite. Engoliu o vazio em seco, enxugou o mar que lhe banhava a face e abraçou a pequena mão do filho à sua.

- Vem com a Mamã, João!

O pequeno João olhou a mãe em silêncio e seguiu-lhe os passos. Abandonaram o quarto, passaram o corredor e seguiram pela cozinha até chegarem ao pequeno jardim que habitava a frente da casa. Os olhares de ambos registaram a fotografia da lua cheia cor de laranja durante uma fracção de segundos que se eternizou no negrume do céu. Raquel agachou-se, envolveu o corpo de João com os seus braços e, em tom de confidência, sussurrou-lhe ao ouvido:

- O papá trabalha ali, na lua. Tenho a certeza que ele nos está a ver neste preciso momento e ficaria muito feliz se lhe oferecesses o teu sorriso.

Um sopro morno de vento afagou os cabelos escuros do João e à sua pequena boca nasceu um sorriso capaz de abarcar o infinito.

- Para ti, Papá! – disse com a sua voz ingénua de menino e foi abraçar a mãe.

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