Maria
enxaguava as roupas finas, que havia recolhido manhã cedo às portas dos
casarões da Villa, nas águas do Vizela. Apesar do frio de dezembro, gostava de
sentir o toque da pele translúcida da corrente, assim que lhe mergulhava ambas
as mãos. Era a véspera de Natal e, como tal, não se encontrava mais nenhuma das
habituais clientes do rio, ali nas Portas da Cascalheira, mas ela não se podia
dar ao luxo de faltar.
Enquanto estendia as peças de roupa,
lavada no rio com sabão azul, colocada a corar sobre a erva e a secar ao sol e
ao vento, a lavadeira Maria pensava que talvez hoje as senhoras fossem
um pouco mais generosas, assim que lhes estendesse as trouxas da roupa lavada e
perfumada. Talvez conseguisse comprar um pouco de carvão e uns pedaços de pão,
e dessa forma acender o humilde lar e cozinhar uns formigos para o seu menino.
Ainda que a vida até então lhe tenha
sido madrasta, permanecia nos olhos cor de avelã de Maria - cor de mel quando
vistos ao sol, escuros quando expostos à negra miséria - uma centelha que nunca
a tinha deixado baixar os braços, que a fazia acreditar e caminhar mesmo que
sob intempéries.
Depois de
entregue o último fardo de
roupa, Maria correu à venda e, à justa, lá conseguiu comprar o carvão, os
pedaços de pão de ontem e um pequeno pote de mel, prosseguindo a cantarolar com
o cesto à cabeça pelos caminhos de regresso a casa, que ficava nos arrabaldes
da Villa, povoado de quintas
com típicas casas de lavoura, extensos terrenos lavradios, pomares, soutos e
pequenas propriedades ladeadas por altos muros.
Após arrumar as iguarias que havia comprado
na venda, encontrou um par de meias ainda húmidas no fundo do cesto. Estranhou
aquela presença, uma vez que tanto ela como as senhoras tinham verificado, peça a peça, par a par, cada
uma das trouxas de roupa. Contudo, não se quedou demasiado em torno daquele mistério e foi
pendurá-las na beira da chaminé, ao lado da imagem de São Nicolau, santo da sua veneração, para que
ficassem enxutas.
A noite caiu
com o menino a dormir sereno e consolado no colo da mãe, e o cintilar das
estrelas do céu a deitar-se à janela da cozinha. A incandescência das últimas
chamas do fogo do lar crepitava nos olhos de Maria, antes das pálpebras se
fecharem e adormecer no sorriso encarnados aos lábios.
O dia nascia
nos cristais de gelo a derreterem-se às folhas da japoneira plantada no
quintal, e Maria despertava do profundo sono em que havia caído o seu corpo
esgotado. O menino balançava-se, num vaivém balançado, no pequeno cavalo de madeira plasmado no
centro da cozinha. E o retinir dos sinos fazia ressoar uma luz mágica de Natal.
(Obrigado Eme)