segunda-feira, 6 de maio de 2013

Gestos e afetos!

A manhã começou com a sua frase:" A tua mão, mãe, serve-me sempre, para sempre, mãe."
Desconstruímos em que sentido a mão da mãe, seria importante para os Triquiteiros, e a conversa levou aos vocábulos seguintes:
Apoiar (se eu cair a mão da mãe apoia - Rodrigo)
Mimar (a mãe faz miminho na cara - Gabriela)
Acarinhar (a mãe faz carinhos com as mãos na cabeça - Hugo)
Ajudar (quando eu preciso de ajuda no escorrega, a mão da mãe ajuda - Lara Filipe)
Acolher (se o passarinho cai do ninho, a mão da mãe passarinho tem que o acolher, para ele ser tratado - Margarida)
Guiar ( a mãe dá-me a mão para eu andar na rua e atravessar as passadeiras - Lara Maria)
O Ademar desenhou a mãe, a minha mão serviu de molde à Lara, que a pintou, e quando as mães vieram, foi-lhes explicado o que significava este cartaz, e cada uma assinou.
Os Triquiteiros disseram "Espero que gostes Hélder"


Nos últimos meses, o contacto com o seio escolar tem sido intenso e daí têm resultado laços pedagógicos e afetivos que permanecem, muito para além do tempo e do espaço. Na sala dos Triquiteiros do JI de S. João, há cerca de seis meses, encontrei uns meninos e meninas muito especiais, orientados de uma forma encantadora pela Educadora Rosa Maria Alves. Foram-se estabelecendo gestos e afetos, com o desenvolvimento de algumas atividades pedagógicas, em que conseguem sempre surpreender-me com os trabalhos que efetuam, revelando, não só uma excelente capacidade de aprendizagem, como também competências artísticas maravilhosas.
O trabalho acima apresentado é um dos exemplos desses fantásticos trabalhos desenvolvidos pelos Triquiteiros, a partir de um poema que ontem havia escrito a propósito do dia da mãe. É um imenso privilégio saber que o escrevemos é capaz de provocar estas reações em crianças de 3, 4 e 5 anos, que só é possível quando existe uma enorme sensibilidade dos profissionais de educação, como é o caso da Educadora Rosa Maria Alves.

Gostei muito do vosso trabalho, meus queridos amigos Triquiteiros :) Obrigado!

sábado, 22 de dezembro de 2012

Uma luz mágica de Natal



Maria enxaguava as roupas finas, que havia recolhido manhã cedo às portas dos casarões da Villa, nas águas do Vizela. Apesar do frio de dezembro, gostava de sentir o toque da pele translúcida da corrente, assim que lhe mergulhava ambas as mãos. Era a véspera de Natal e, como tal, não se encontrava mais nenhuma das habituais clientes do rio, ali nas Portas da Cascalheira, mas ela não se podia dar ao luxo de faltar. 


Enquanto estendia as peças de roupa, lavada no rio com sabão azul, colocada a corar sobre a erva e a secar ao sol e ao vento, a lavadeira Maria pensava que talvez hoje as senhoras fossem um pouco mais generosas, assim que lhes estendesse as trouxas da roupa lavada e perfumada. Talvez conseguisse comprar um pouco de carvão e uns pedaços de pão, e dessa forma acender o humilde lar e cozinhar uns formigos para o seu menino.


Ainda que a vida até então lhe tenha sido madrasta, permanecia nos olhos cor de avelã de Maria - cor de mel quando vistos ao sol, escuros quando expostos à negra miséria - uma centelha que nunca a tinha deixado baixar os braços, que a fazia acreditar e caminhar mesmo que sob intempéries. 


Depois de entregue o último fardo de roupa, Maria correu à venda e, à justa, lá conseguiu comprar o carvão, os pedaços de pão de ontem e um pequeno pote de mel, prosseguindo a cantarolar com o cesto à cabeça pelos caminhos de regresso a casa, que ficava nos arrabaldes da Villa, povoado de quintas com típicas casas de lavoura, extensos terrenos lavradios, pomares, soutos e pequenas propriedades ladeadas por altos muros. 


Após arrumar as iguarias que havia comprado na venda, encontrou um par de meias ainda húmidas no fundo do cesto. Estranhou aquela presença, uma vez que tanto ela como as senhoras tinham verificado, peça a peça, par a par, cada uma das trouxas de roupa. Contudo, não se quedou demasiado em torno daquele mistério e foi pendurá-las na beira da chaminé, ao lado da imagem de São Nicolau, santo da sua veneração, para que ficassem enxutas.


A noite caiu com o menino a dormir sereno e consolado no colo da mãe, e o cintilar das estrelas do céu a deitar-se à janela da cozinha. A incandescência das últimas chamas do fogo do lar crepitava nos olhos de Maria, antes das pálpebras se fecharem e adormecer no sorriso encarnados aos lábios.


O dia nascia nos cristais de gelo a derreterem-se às folhas da japoneira plantada no quintal, e Maria despertava do profundo sono em que havia caído o seu corpo esgotado. O menino balançava-se, num vaivém balançado, no pequeno cavalo de madeira plasmado no centro da cozinha. E o retinir dos sinos fazia ressoar uma luz mágica de Natal. 

(Obrigado Eme)

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Perder para se ganhar!

Ossur Total Knee 2000
"É difícil, da minha perspectiva actual, dizer se tomei a decisão certa em relação ao meu braço. Tendo em conta a funcionalidade limitada ao braço, a dor que senti e ainda sinto, e o que agora sei sobre o que condiciona a tomada de decisões, desconfio que não amputar o braço foi, numa análise de custo-benefício, um erro." (p. 254 O lado bom da irracionalidade, Dan Ariely)

Ouvir dos médicos a comunicação sobre a inevitabilidade da amputação da perna direita foi um choque. A sensação de perda é sempre um processo de difícil interiorização e aceitação, principalmente quando se trata de uma parte do nosso corpo, que até então julgamos imprescindível para uma plena vivência e felicidade. Naquele momento, o facto de ter sido alertado que, para viver teria de prescindir daquele membro, talvez tivesse sido a força luminosa que desbloqueou a resistência, levando à aceitação da perda do mesmo.
Alguns meses pós-cirurgia, numa consulta de Ortopedia, os médicos revelaram-me mais pormenorizadamente qual a solução inicial, caso a quimioterapia queimasse as células malignas. Consistia na remoção do osso e consequente colocação de platina, existindo o risco iminente de incidentes ou necessidade de substituição. Ou seja, haveria a possibilidade de ocorrer um número indeterminado de internamentos e cirurgias, interrompendo o rumo natural do dia a dia. 
Se já me sentia curado, ali senti a convicção plena de que a decisão tomada tinha sido a mais acertada, pois com o uso da prótese, não só tenho uma qualidade de vida excelente - algum acidente com a prótese, basta levá-la à oficina -, como sei da liberdade do ser feliz. 

Foi um perder para se ganhar!

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

"A Escola é para vós!"




   (Serigrafia que me foi oferecida pela Profitecla - Guimarães)

Esta manhã o Sapato Novo calçou o Iluminado e rumou às instalações da Profitecla - Guimarães. Surpreendentemente, o auditório estava composto com mais de 100 pessoas, entre alunos, funcionários, formadores e elementos da direção, e, durante cerca de 90 minutos expus o meu testemunho de vida e tentei sensibilizar aqueles jovens para o desafio que é viver, sobretudo, na diferença. 
Senti a atenção e curiosidade nas expressões dos seus rostos, entreguei-me em cada palavra dita, em cada gesto, para que conseguissem captar as vibrações das emoções das minhas vivências e experiências.
No final, vários vieram ter comigo, demonstrando-me o afeto alegria dos seus sorrisos e no calor das suas saudações.
De referir ainda a oferta de uma extraordinária serigrafia. 

Muito obrigado. Bem hajam!

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Amor-perfeito!



Há lugares que sempre co-habitaram a minha existência - lugares que sei estarem ali, lugares que visito mais ou menos vezes, consoante as circunstâncias. Um desses lugares-comuns é o monte de São Bento das Peras. Basta-me atravessar a soleira da porta, virar à direita e, logo ao terminar da parede da casa, eis-lo diante de mim, a ascender ao firmamento.

Desde sempre que me recordo de subir o monte, ora a pé, ora de carro, quer pelos carreiros lavrados entre os pinheiros e os eucaliptos, quer pelo asfalto das estradas.

Mas, há momentos do nosso ser, em que esses lugares-comuns, readquirem um novo significado, tomam o sentido com sentido. Desde os finais de 2011, o Santuário de São Bento das Peras elevou-se-nos na humilde simplicidade do existir e sentir os laços do destino desabotoarem-se, revelando-nos o abismo da beleza, aquela que não se questiona - aceita-se no beber da luz do silêncio.

Fazer esta magnânima descoberta na partilha do sentir amor, no abraço da plenitude, a cada oração, a cada regresso, a cada nova subida, é um permanecer sempre, como se leve intemporal sopro de brisa, como se um (e)terno (re)nascer a encarnar-se no desabotoar de um cravo.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

"O azul é o limite!"

Havia cerca de 15 anos, desde a última subida a pé ao monte de São Bento das Peras. Recordava os tempos da Catequese, com os passeios pelos carreiros do monte feitos em grupo sempre a subir, na rebeldia da infância/adolescência, nos avisos dos responsáveis, e a satisfação da chegada ao alto. Ontem, já o sol se havia deitado sobre a linha do horizonte e o céu era uma tela de azuis e laranjas, voltei a subir o monte, agora na incandescência íntima da tua voz do teu riso do teu silêncio. Chegado ao campo da bola, o rasgar de uma estrada de paralelo monte acima, a subir desalmadamente, sem lugar a paragens para recuperar o fôlego. A satisfação da chegada, junto da capelinha de São Bento, foi partilhada contigo, na cumplicidade que só nós dois sabemos e sentimos. O céu a coalhar de estrelas, os cravos vermelhos ao pé do altar e a paz da oração. Eis-nos, sempre.

sábado, 19 de maio de 2012

Le Havre



A essência nua do cinema. Um filme que é todo um poema!


Cansado da sua pouca sorte como escritor, Marcel Marx (André Wilms) deixa a sua vida para trás e parte com a mulher Arletty (Kati Outinen) para Le Havre, uma pequena cidade portuária da Normandia, França. Ali, num recomeço incomum, ele torna-se engraxador de sapatos, algo que faz alegremente e sem perder o optimismo nem a dignidade que lhe é característica. É então que conhece Idrissa (Blondin Miguel), uma criança africana refugiada, que planeia chegar a Londres, onde encontrará a família. Sem saber o que fazer àquela criança, decide levá-la consigo para casa e tornar-se seu protector. Porém, mesmo contra o cinismo da sociedade, dos problemas que acabam por surgir com a polícia e da doença que ameaça a vida de Arletty, ele não desiste da sua luta por um mundo melhor.
Realizado pela finlandês Aki Kaurismäki e estreado na última edição do festival de Cannes, onde foi aplaudido pelo público e pela crítica, "Le Havre" ganhou o Fipresci - Prémio da Crítica Internacional e o Prémio Louis Delluc, um dos mais prestigiantes galardões franceses. PÚBLICO